“O sucesso de uma intervenção depende da condição interior do interventor”.
Bill O’Brien
Apresentada por Otto Scharmer em seu livro O essencial da Teoria U¹, a afirmação do já falecido CEO da Hanover Insurence Bill O’Brien propõe o termo “condição interior”. A expressão é a fonte (ou o ponto cego) a partir da qual operamos. Scharmer afirma que essa fonte afeta fundamentalmente a qualidade do liderar, do aprender e do ouvir.
“Quem somos (…) é mais importante do que o que sabemos ou do que as nossas habilidades (…)²”.
A essência do artigo de Bowling é articular a ideia de que, além das habilidades técnicas e do conhecimento teórico, mediadores e mediadoras trazem suas qualidades humanas para a mediação; (também) por isso, desenvolver tais qualidades pessoais deve fazer parte da sua jornada de aprendizagem:
“Expertise que vem da cabeça e não do coração não funciona nem nos esportes ou na música, mas nós seguimos acreditando que funcionará numa profissão que se baseia em comunicação. Nós não fazemos o autodesenvolvimento ou trabalho interior necessário.” ³
Nesse sentido, Bowling questiona o excesso de racionalização e método aportado pelo modelo educacional ocidental (prevalente também no terreno da mediação). Ao privilegiar o ensino de técnicas e habilidades, tal modelo relega a segundo plano o investimento pessoal em autoconhecimento e autoconsciência do mediador.”
“Ferramentas são importantes. Mas também são superestimadas porque são muito visíveis. O que geralmente é subestimado são todas as coisas invisíveis aos olhos — por exemplo, os elementos menos visíveis de um bom espaço de acolhimento: intenção, atenção e as qualidades sutis da escuta profunda.”
A meu ver, entender a mediação meramente como uma técnica ou um conjunto de ferramentas a serviço de um possível acordo é reduzir a sua dimensão espiritual, cuja essência é aproximar de sua humanidade compartilhada os envolvidos no conflito. Sem isso, a “mágica” da mediação raramente se realiza.
Claro que o conhecimento é e deve ser valorizado em qualquer profissão — e não é diferente na área de resolução de conflitos. Porém, mesmo a reunião de todas as técnicas já desenvolvidas não nos permitiria entrar em conexão verdadeira com o outro. É no espaço de conexão e de presença que o diálogo regenerativo pode ocorrer.
David Hoffman e Richard Wolman, em artigo denominado “Mediation as a Spiritual Practice”⁵ (tradução livre: Mediação como uma prática espiritual), chamam atenção para o espaço interior do mediador (talvez a “fonte”, na perspectiva da Teoria U):
“O que foi satisfatório sobre o caso, no entanto, foi mais do que simplesmente ajudar uma família irritada a resolver seus complexos problemas financeiros e psicológicos. Para nós — e, suspeitamos, para muitos mediadores — a satisfação da mediação não dependia inteiramente, ou mesmo principalmente, do resultado. O que importava era acessar um lugar centrado, pacífico, compassivo e sem julgamentos dentro de nós mesmos, onde pudéssemos resistir ao fogo do conflito e iniciar o processo de cura sem ser consumido.”
Inúmeros mediadores comungam do mesmo ponto de vista. São profissionais que não se percebem como meros facilitadores de diálogo e de acordo, mas encontram um significado ainda mais profundo no seu ofício: auxiliar as pessoas na sua transformação pessoal a partir da criação de um espaço de empatia, reflexão, tolerância e respeito.
Ao proporcionar este espaço em conjunto com os mediandos, mediadores encontram também a sua fonte, seu lugar interno de espiritualidade, tal como descrito acima por Hoffman.
Porém, alcançar esse estágio demanda disciplina e contato consigo mesmo. Cada vez mais mediadores e mediadoras se tornam praticantes de mindfulness, meditação, artes marciais ou outras modalidades de práticas orientadas para o desenvolvimento de presença e de espiritualidade.
Não se trata, no entanto, de uma relação instrumental com tais disciplinas para, por exemplo, reduzir o estresse ou melhorar a forma física. O que tais profissionais buscam é desenvolvimento de conexão profunda e humana com as pessoas que se apresentam vulneráveis em seus conflitos. A partir desse lugar de amorosidade, as técnicas, o conhecimento e as habilidades podem fluir sem esforço e de modo integrado.
Como citado por Scharmer, W. Brian Arthur, economista e pesquisador da teoria da complexidade, assim resume: “Você espera e deixa sua experiência se transformar em algo apropriado. Em certo sentido, não há tomada de decisão. O que fazer se torna óbvio. Você não pode se apressar.” E então Arthur acrescenta:
“Estou basicamente dizendo que o que conta é de onde você vem de dentro de si mesmo”.
Menção final: Agraço à querida Andrea Maia pelo convite para escrever este artigo, assim como às minhas companheiras
de grupo de estudos Juliana Ratton, Karina Colpeart, Magali Lopes, Maria Vitoria Dias, Monica Correa e Renata Aranega,
pelas preciosas reflexões compartilhadas sobre os textos citados no artigo.
¹ SCHARMER, Otto, O Essencial da Teoria U: Princípios e Aplicações Fundamentais. Curitiba: Editora Voo, 2020. E-book Kindle.
² BOWLING, Daniel. Mediator Presence: How to Bring Peace into the Room, local: http://www.isbm.at/pics/Bowling_Mediator%20Presence.pdf
³ BOWLING, Daniel, op. cit.
⁴ SCHARMER, Otto, op. cit.
⁵ HOFFMAN, David e WOLMAN, Richards. Mediation As A Spiritual Practice – www.mediate.com, 24 de janeiro de 2011, acesso em 12 de setembro de 2022.
Fale conosco
1 Comments
Texto excelente! Parabéns!!!